Por Jaqueline Doring Rodrigues:
“Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele.”
A empatia tem o poder de criar uma mudança nas relações humanas. Com uma dose dessa prática no atendimento ao doente pode-se potencializar a terapêutica instituída. Devido a importância deste assunto na área da saúde, o núcleo de Ciências Médicas da Universidade de Oxford, na Inglaterra, possui um programa interdisciplinar (OxEmCare) que inclui médicos, filósofos, psicólogos e sociólogos que estudam Empatia.
O artigo produzido por dois integrantes do OxEmCare, Howick e Rees, chamado “Derrubando barreiras à empatia na saúde: empatia na era da internet” traz uma história que exemplifica esse conceito de maneira objetiva. Um cirurgião ortopédico leva sua mãe para ser atendida no hospital em que ele trabalha, após ter apresentado um episódio de arritmia. Dentro de vinte minutos, ela havia realizado ECG, radiografia de tórax, já possuía os resultados dos exames laboratoriais e seu ritmo cardíaco havia voltado ao normal. Após dois dias internada foi para casa. O médico estava feliz com o atendimento, o qual ao seu ver, havia sido um sucesso. Sua mãe porém, relatou que foram os piores dias de sua vida, teve medo de morrer, de não ver mais seus netos e não foi dado a devida atenção a esses sentimentos. A equipe de saúde não percebeu a inquietação e o desconforto que ela vivenciava, nem mesmo seu filho foi capaz de ver a situação através de seus olhos.
A Medicina Baseada em Empatia restabelece a importância do relacionamento afetuoso nos cuidados à saúde. Ensaios clínicos mostraram que com esse cuidado pode-se reduzir a dor, a depressão, a ansiedade, o esgotamento do profissional e inclusive, o risco de processos médicos. Também melhoraria a satisfação do paciente, bem-estar e a adesão à medicação, assim como poderia modificar desfechos clínicos objetivos como hemoglobina glicada do paciente diabético. Nesse contexto, é provável que possam haver repercussões inclusive nos custos da assistência à saúde.
Segundo os autores, a Medicina Moderna trouxe intervenções que melhoraram e prolongaram nossas vidas, enquanto a Medicina Baseada em Evidências tentou garantir que as melhores escolhas pudessem ser feitas para que as novas intervenções trouxessem mais benefícios do que danos. No entanto, muitas vezes, de forma não intencional, o foco acaba sendo em exames, tratamentos medicamentosos e metas, enquanto as particularidades do encontro clínico acabam sendo menos valorizadas.
A “Slow Medicine” por tratar-se de uma filosofia que resgata a qualidade do tempo como elemento essencial da abordagem médica, encontra-se consoante com os autores do estudo. Afinal, possui a prerrogativa do uso parcimonioso da tecnologia, do fortalecimento da relação com o paciente, da escuta atenta e, entre outros, da individualização das condutas – a qual só pode ser realizada quando se tem um relacionamento empático com o paciente.
A empatia consiste em entrar em ressonância com os sentimentos do outro, uma tomada de consciência que pode ser também desenvolvida. Um ensaio clínico, citado no texto, demonstrou que se pode operacionalizar a empatia para projetar intervenções que beneficiem os pacientes. Por exemplo, utilizar-se de alguns comportamentos como ter tempo suficiente para entender o paciente e sua história, falar sobre tópicos gerais, oferecer encorajamento, dar sinais verbais de que o paciente foi entendido ( ex: entendi, hmm, ahh, etc.), ser fisicamente envolvente ( usando gestos manuais, contato com o olhar, toque apropriado e inclinação para frente), entre outros.
Portanto, tanto no consultório médico quanto nas enfermarias do hospital há que se saber colocar-se no lugar do outro. A empatia afetiva ocorre naturalmente quando estamos atentos com os sentimentos de outra pessoa, com as emoções que se manifestam por suas expressões faciais, seu olhar, o tom de voz e o comportamento. Essa experiência pode levar a uma motivação altruísta, facilitar na decisão da melhor terapêutica a ser instituída, e muitas vezes, no medicamento a não ser prescrito – já que sabemos que nem sempre fazer mais significa fazer melhor. Máxima, esta, que faz parte do Manifesto da Slow Medicine que possui como palavras de ordem: uma medicina Sóbria, Respeitosa e Justa.
Importante lembrar que um dos princípios da Slow Medicine consiste na busca incansável à humanização dos cuidados à saúde, e isso inclui sermos sensíveis também com os profissionais. Sendo assim, podemos ao sermos confrontados com os sofrimentos dos pacientes nos identificar com eles e retornarmos o olhar para nós mesmos – na dose certa pode contribuir com nosso amadurecimento pessoal. Porém, pode contribuir com a exaustão emocional, conhecida como burnout e que pode ser entendido como “fadiga da empatia” em pessoas que são cotidianamente expostas aos problemas dos outros. Para evitar, existem técnicas como a ressonância divergente, que tem a intenção de dominar os sentimentos e demonstrar solicitude.
Dessa maneira, com um treinamento adequado pode-se estar mais sensível e mais preocupado com o sofrimento do outro, sem experimentar um aumento da aflição, e sim um sentimento de benevolência, de compaixão. Cuja essência é uma motivação altruísta para gerar um bem e uma vontade de realizar uma ação, sem confundir as emoções sentidas pelos outros com as nossas. A compaixão, bem como o amor, não causa fadiga nem desgaste, ao contrário, facilita a superação caso ocorram. Nas palavras do escritor Matthieu Ricard: “ Quando o amor altruísta passa através do prisma da empatia, torna-se compaixão”.
Assim, tão importante quanto avançarmos nos diagnósticos complexos e terapêuticas modernas constitui em nos refinarmos na busca incessante de encontrarmos o equilíbrio interior, o qual naturalmente facilita as relações interpessoais e as escolhas assertivas também no trabalho. Esse movimento aumenta a nossa disponibilidade para os outros e gera uma vontade de agir para seu bem. Valores estes que são inerentes ao ser humano e tecem um caminho para a evolução.
Em um tempo onde somos incapazes de vermos com os olhos de nossa própria mãe, ao ponto de não sentirmos o seu medo diante de uma doença, mais distante estamos de vermos com o olhar de alguém ao qual não mantemos vínculo – seja de ordem familiar, étnica, religiosa ou política. Segundo Kafka, “A guerra é uma falta de imaginação monstruosa”. Ou seja, na arte de compreender o outro, projeta-se a experiência na imaginação, assim amplia-se os possíveis desfechos e sensações. Porém, quando ela é escassa a intolerância reina e as consequências são infindas.
Ao resgatarmos a empatia, que nos é própria, no relacionamento profissional em saúde, restabelecemos um alicerce valioso que é a consciência da situação do outro. Passamos a sentir verdadeiramente a unidade cuidador-paciente e deixamos, nem que por instantes, de sermos os protagonistas. Assim, estabelecemos uma profunda conexão, pois passamos a ver, com o coração, a alma daquele que veio, pacientemente, até nós.
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Jaqueline Doring Rodrigues, médica geriatra que ao se ver no olhar do outro procura as respostas para as dores do mundo.
PS: a tradução livre das palavras do cartoon de Nathan Gray, que ilustra o post poderia ser: “Eu nunca fui bom em comunicar más notícias. Talvez você queira passar alguns minutos com o nosso novo ‘Robô da Empatia’ do hospital.”
FONTE: Portal Slow Medicine