O câncer de mama é o tipo da doença mais comum entre as mulheres no mundo e no Brasil, depois do de pele não melanoma, correspondendo aproximadamente a 25% dos casos novos a cada ano. No Brasil, esse percentual é de 29%. São esperados 66.280 casos novos de câncer de mama no Brasil em 2020. Excluído o câncer de pele não melanoma, ocupa a primeira posição mais frequente em todas as regiões brasileiras.
A mamografia é considerada a principal e única forma de detecção precoce (prevenção secundária) do câncer de mama na atualidade. Pode também ser utilizada para diagnóstico (esclarecimento) de lesões palpáveis. As mamografias modernas são exames de alta resolução podendo ser digital ou analógica. Atualmente já existem modalidades tecnológicas avançadas de mamografia: a mamografia 3D (tomossíntese) e a angiomamografia (mamografia metabólica). As mamografias devem ser realizadas rotineiramente no mínimo em duas incidências e em incidências adicionais se necessário.
O rastreamento mamográfico de base populacional tem sido alvo de calorosos debates nos últimos anos. Se por um lado o rastreamento organizado populacional resulta em benefícios: redução da mortalidade por câncer de mama de 12% (risco relativo) aos 40 anos podendo alcançar até 30% (risco relativo) aos 65 anos; também apresenta efeitos adversos: falsos positivos, biópsias desnecessárias, sofrimento emocional decorrente do exame alterado, ´´overdiagnoses“ e ´´overtreatment“. Estima-se que 1/3 da redução de mortalidade do câncer de mama vista nos últimos anos seja decorrente do rastreamento mamográfico. Cabe ressaltar que pacientes submetidas ao rastreamento tendem a ter tratamentos menos agressivos e radicais. Entretanto, cerca de 20% dos casos diagnosticados num programa de rastreamento podem ser considerados ´´overdiagnoses“.
No modelo atual de rastreamento, ´´overdiagnoses“ e o consequente ´´overtreatment“ parece ser o preço a se pagar pela redução da mortalidade. Ainda existe um debate acirrado quanto a custo efetividade do rastreamento. Gestores públicos calculam que o rastreamento não é custo efetivo abaixo dos 50 anos, devido a menor incidência do câncer de mama nessa faixa etária e consequente baixa redução de risco absoluto. Entretanto, nessa conta deve ser considerado os anos de vida salvos com qualidade. Nesse sentido, a faixa etária de melhor custo efetividade do rastreamento seria entre os 45 e 55 anos.
Um dos motivos de todo esse debate é que os grandes estudos randomizados de rastreamento mamográfico datam de antes do início da década de 90. Uma verdadeira revolução tecnológica está em andamento e não temos ideia real, apenas estimada baseada em modelos matemáticos estatísticos, dos benefícios e malefícios do rastreamento mamográfico na atualidade. Soma-se a introdução de novas tecnologias como a tomossíntese, que a partir dos últimos estudos tem demonstrado um aumento na capacidade diagnóstica do câncer de mama, mas ainda sem avaliação (pouco tempo de seguimento) na redução da mortalidade. Outra abordagem é o rastreamento morfológico metabólico, muito utilizado para pacientes de alto risco. Antes restrito a RNM, a abordagem metabólica atualmente tem na angiomamografia método que tem demonstrado resultados no mínimo equiparáveis e com menor custo. Além disso, a inteligência artificial parece vir aumentar a capacidade diagnóstica e nossa segurança e essa é uma das novas fronteiras.
No Brasil, o rastreamento mamográfico é oportunístico e recomendado pelo Ministério da Sáude dos 50 anos aos 65 anos bianualmente (estratégia de menor impacto na mortalidade com melhor custo benefício e menor número de biópsias). A SBM / CBR / FEBRASGO recomendam rastreamento anual a partir dos 40 até 75 anos. Essa estratégia é a que tem maior impacto na mortalidade, menor custo (levando em conta os anos de vida salvos com qualidade) e maior efeito adverso (biópsias). Embora o debate exista no nosso país, o que deveria ser central é a questão do rastreamento oportunístico. Apesar de melhor que nada, apresenta baixo resultado em relação ao custo efetividade. Estudos recentes da nossa realidade demonstraram que o rastreamento oportunístico não consegue atingir a meta de cobertura mínima proposta pelo governo e que embora o Brasil tenha uma capacidade instalada de mamógrafos bem superior ao necessário, sua produção está abaixo das necessidades.
Muitas novidades se apresentam no horizonte, inclusive o rastreamento por biópsia líquida, e o rastreamento personalizado (baseado no risco individual). Entretanto, o que existe hoje é o rastreamento mamográfico organizado. Os mastologistas devem se esforçar ao máximo para conscientizar as pacientes da sua importância, abordar os medos e as dúvidas e enfrentar a campanha de contra informação vigente de forma clara e concisa. A esse processo chama-se de decisão compartilhada, mas a palavra final deve ser sempre da mulher.
Dr. Henrique Lima Couto
Coordenador do Departamento de Imaginologia da SBM Nacional
Tesoureiro SBM MG – Sociedade Brasileira de Mastologia Regional MG
Doutor em Saúde da Mulher Faculdade de Medicina UFMG
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