Correio Braziliense revela problemas na produção de radiofármacos

Crédito: Efrain Perine/Ipen

Crise no Ipen pode deixar pacientes com câncer sem medicamento. O instituto é o responsável por produzir radiofármacos, utilizados no tratamento e diagnóstico de doenças cancerígenas, cardiovasculares e respiratórias.

Os pacientes com câncer e outras doenças que dependem de exames e tratamentos envolvendo radiofármacos — medicamentos produzidos com determinadas substâncias radioativas — podem ficar desamparados nas próximas semanas. Isso porque o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), autarquia responsável por produzir os radiofármacos no país, anunciou que poderá interromper a produção a partir do próximo dia 20.

Em um ofício divulgado na terça-feira (14/09) e obtido pelo Correio, o Ipen detalha que enfrenta sérios problemas orçamentários que poderá paralisar temporariamente a produção dos geradores de 99Mo/99mTc e dos radiofármacos provenientes de iodo-131, gálio-67, tálio-201, lutécio-177, dentre outros. O interrompimento da produção por falta de recursos já era esperado por quem acompanha de perto o funcionamento do órgão.

“Até agosto de 2021, o Ipen-CNEN recebeu R$ 91,6 milhões em recursos orçamentários, dos quais R$ 67,9 milhões já retornaram à União, por meio da comercialização dos produtos e serviços tecnológicos ofertados pelo Instituto à Sociedade Brasileira. Entretanto, enfrentamos a grande redução dos recursos atribuídos pela Lei Orçamentária Anual (LOA) à CNEN e à forte e desfavorável variação cambial, em 2021”, detalhou, no documento.

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O Ipen afirma, no ofício, que tem trabalhado, com o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) junto ao Ministério da Economia para tentar contornar a situação. A esperança é a aprovação do projeto de lei do Congresso Nacional nº 16/2021, que poderá garantir R$ 34,6 milhões à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

O projeto está na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) do Congresso desde o último dia 9 e aguarda a designação de relator.

Também estão em curso negociações, conduzidas pelo MCTI para obter mais R$ 55,1 milhões – totalizando R$ 89,7 milhões – para a manutenção da produção de radiofármacos no Ipen até o fim do ano. Os recursos, no entanto, dependem de aprovação do Congresso Nacional.

Segundo o Ipen, caso a produção dos radiofármacos seja interrompida, a expectativa é que a inconsistência dure apenas alguns dias.

Sem diagnósticos e sem tratamento

Segundo Gustavo do Vale Gomes, médico Especialista em Medicina Nuclear e Primeiro Secretário da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), os principais afetados com a interrupção da produção de radiofármacos pelo Ipen seriam pacientes com câncer e portadores de doenças cardíacas.

“A medicina nuclear é uma especialidade médica que usa quantidades pequenas de materiais adjetivos tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento de diversas doenças. A gente pode dizer que a medicina nuclear tem um papel muito importante, fundamental na oncologia – que é a especialidade que trata de câncer e também na cardiologia”, explicou.

“O que acontece é que na oncologia, a medicina nuclear é útil tanto no diagnóstico de diversos tipos de cânceres quanto no tratamento de diversos tipos de cânceres e esses radiofármacos que terão a sua produção paralisada atuam tanto no diagnóstico quanto no tratamento desses cânceres, o que faria com que esses pacientes, além de deixarem de ter diagnósticos precoces ou avaliações precisas, também deixassem de ter seus tratamentos disponíveis”, alertou.

Segundo Gomes, aqueles que estão com tratamentos em curso também seriam prejudicados. Já no caso daqueles com problemas cardíacos, a principal preocupação é o diagnóstico.

“Na cardiologia a medicina nuclear é muito útil, por exemplo, no diagnóstico do infarto agudo do miocárdio, da isquemia miocárdica. São exames que conseguem detectar isso muito antes do cateterismo, por exemplo. E, uma vez que esses radiofármacos não estejam disponíveis, diversos pacientes com indicação para fazer esses exames, essas avaliações não teriam acesso”, disse o médico.

Quem também seria diretamente afetado são os pacientes que tiveram a covid-19 e desenvolveram problemas pulmonares. Nesse caso, a Cintilografia Pulmonar por meio de perfusão – exame necessário para avaliar a funcionalidade dos pulmões – não poderia ser realizado.

Segundo Gustavo Gomes, a SBMN tem tentado reverter a situação com apoio do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República e do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro (CDPNB). O Ipen, contou o médico, tem sido transparente com relação aos riscos da falta de recursos.

O Correio tentou contato com o instituto para comentar o assunto, mas não obteve resposta até a conclusão desta apuração. O espaço está aberto.

 

Fonte: Correio Braziliense