O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital, assinou num artigo na Folha de S. Paulo em que alerta para a liberação do uso da fosfoetanolamina sem que o medicamento passe por todas as fases dos testes clínicos. O artigo, assinado também pelo presidente da Associação Médica Brasileira, Florentino Cardoso, e pelo presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Gustavo Fernandes, externa a posição contrária das três entidades à aprovação do projeto de lei 4.639/2016, que permite a produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição, dispensação, posse ou uso da fosfoetanolamina sintética.
“Diante de prognóstico desfavorável, é fácil entender que os pacientes com câncer e seus familiares percam as esperanças e passem a buscar soluções mágicas. Não podemos, porém, aceitar que as instituições também se curvem ao desespero e à irracionalidade. É neste momento que precisamos delas mais firmes(…)Pessoas desesperadas tomam más decisões. Devemos cuidar para que isso não aconteça. É nosso dever preservar a vida”, destaca o artigo “O perigoso caso da ‘pílula do câncer’”, que pode ser lido abaixo.
O perigoso caso da “pílula do câncer”
Carlos Vital, Florentino Cardoso e Gustavo Fernandes.
Diante de prognóstico desfavorável, é fácil entender que os pacientes com câncer e seus familiares percam as esperanças e passem a buscar soluções mágicas. Não podemos, porém, aceitar que as instituições também se curvem ao desespero e à irracionalidade. É neste momento que precisamos delas mais firmes.
Entretanto, as discussões que envolvem o uso da fosfoetanolamina no tratamento do câncer têm nos revelado uma outra realidade.
Há mais de 20 anos, um professor de química da USP (São Carlos) vem estudando a fosfoetanolamina, uma substância que acredita ser capaz de “tratar todos os tipos de câncer”.
Animados com os resultados dos testes em culturas de células e pequenos animais, os pesquisadores decidiram ignorar a necessidade de realizar os estudos necessários para qualquer substância ser considerada medicamento e passaram a distribuí-la para pessoas com câncer.
Surpreendentemente, o grupo afirma ter tratado mais de 40 mil pacientes, longe dos olhos das instituições responsáveis pela fiscalização e controle de medicamentos, ignorando completamente as regras internacionais.
A história só chamou a atenção quando a distribuição da substância foi interrompida por falta de verbas. Nesse momento, a molécula e seu criador alcançaram notoriedade nacional, e as demandas de pacientes passaram a movimentar o sistema Judiciário e a classe política brasileira, gerando uma crise sem precedentes em nosso meio.
A despeito de posições contrárias da Anvisa, do Conselho Federal de Medicina e de diversas sociedades médicas, as decisões do Poder Judiciário vêm colocando nas mãos de pacientes uma substância não reconhecida como medicamento, sobre a qual pouco se sabe.
Agora, a política entra em cena para tornar as coisas ainda piores. No dia 8 de março de 2016, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4.639/2016, de diversos autores, segundo o qual “ficam permitidas a produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição, dispensação, posse ou uso da fosfoetanolamina sintética, direcionadas aos usos de que trata esta lei, independentemente de registro sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca dessa substância”. O projeto segue agora para votação no Senado.
Desprezando a necessidade de realizar pesquisas clínicas antes de se liberar um medicamento, os parlamentares fazem o Brasil regredir décadas em sua escalada civilizatória.
O Conselho Federal de Medicina, a Associação Médica Brasileira e a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica se posicionam contra esse projeto de lei, que entendemos como um risco à saúde pública e um agravo ao poder constituído das entidades médicas.
Pessoas desesperadas tomam más decisões. Devemos cuidar para que isso não aconteça. É nosso dever preservar a vida.
CARLOS VITAL é presidente do Conselho Federal de Medicina – CFM
FLORENTINO CARDOSO é presidente da Associação Médica Brasileira – AMB
GUSTAVO FERNANDES é presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica – SBOC
Publicado em 20/03/2016
Fonte: Portal Médico, o site do Conselho Federal de Medicina