Análise crítica do associado Francisco Pimentel
Na última semana, aconteceu o maior evento de câncer de mama do mundo: o San Antonio Breast Cancer Symposium. O encontro sempre traz oportunidades de aprendizado, assim como possibilidade de discuti-los com amigos e colegas presentes. Neste ano, como destaque, tivemos a palestra marcante do oncologista Eric Winer, do Dana Farber Cancer Institute, que detalhou sua emocionante trajetória de vida traçando um paralelo com as dificuldades que uma mulher enfrenta face ao diagnóstico de uma grave doença como o câncer de mama, além de várias apresentações que vieram sedimentar o nosso conhecimento adquirido nos últimos anos no tratamento local, sistêmico ou pesquisa básica. O que tivemos de relevante em relação ao tratamento locorregional?
Homenageada no simpósio, a Dra. Monica Morrow mostrou a trajetória do tratamento do câncer de mama nos últimos anos nos países desenvolvidos: evoluímos de um média de tumor de 3,3cm de diâmetro na década de 70 (NSABP 04) para 1,6cm na atualidade (ACOSZOG 011) ou de 25% de estádio clínico I (NSABP 06) para 80% na era moderna (NSABP 32), especialmente devido aos programas de screening mamográfico. Entre outras conclusões, tal avanço nos possibilitou enfrentar, em geral, menor carga tumoral que apresentada no passado e, ao mesmo tempo, agregamos terapias “adjuvantes” que não eram disponíveis naquela época, o que proporcionou oferecer um tratamento local mais “ameno”, menos mutilador, a nossas mulheres e, paradoxalmente, experimentamos reduções significativas das recidivas locais. Este racional vem ao encontro da atualização do estudo Z0011 apresentado na ASCO desse ano e reforçado em sua apresentação: apenas mais um caso adicional de recidiva axilar em 10 anos, a despeito dos 27% de doença residual axilar deixada para trás. A Dra. Morrow também aproveitou e apresentou os resultados“z11 like”em sua instituição: em 430 mulheres com follow-up de 33 meses, apenas 5 apresentaram falha axilar (nenhuma delas como primeira falha) sendo que apenas 19% tiveram campo de radioterapia nodal específica (restante dos casos com campo supino ou pronado na mama). Por fim, ela destacou a importância do consenso de margens apresentado inicialmente em 2013 e sua aplicação na prática: houve diminuição significativa das taxas de recuperação nas mulheres que já apresentavam margens negativas e concomitante aumento da cirurgia conservadora em 13% e declínio da mastectomia unilateral e bilateral entre 2013 e 2015.
No cenário local frente à quimioterapia neoadjuvante (QTneo), tivemos acesso aos resultados do estudo GANEA 2 que avaliou o papel do linfonodo sentinela (LS) nesta situação e,após 36 meses de seguimento de 418 mulheres com axila clinicamente negativa prévia e LS negativo após Qtneo, apenas 01 paciente (0.2%) teve recorrência axilar. No grupo com axila clinicamente comprometida inicial, foi realizado LS e dissecção axilar em todos os casos, sendo identificado uma taxa de falso negativo(FN) de 12%. O autor concluiu que, no cenário com axila positiva inicial ainda devemos esperar os resultados do estudo GANEA 3 pois esta taxa de 12% “não era aceitável”. Essa conclusão foi rapidamente contestada pela audiência presente e há argumentos para isso: qual seria a taxa aceitável? Vale salientar que este FN não é tão distante dos resultados do NSABP 32 (FN global de 10% e 17% quando apenas um LS é identificado). O próprio estudo GANEA1, prévio ao atual e conduzido pelo mesmo grupo, realizou LS e dissecção axilar em todas as mulheres com axila clinicamente negativa prévia a terapia, encontrando FN também mais elevado (11.5%). Além disso, alguns estudos demonstraram que a retirada de 3 ou mais LS, a dupla marcação, o uso da imuno-histoquímica e a marcação prévia do linfonodo comprometido com clip trazem o FN para abaixo de 10% (SENTINA, Z1071 e SnFNAC),isto sem contar o estudo de Milão apresentado em 2015, durante St Gallen, com desfecho clínico satisfatório. A sensação que fica é que os resultados do GANEA 2 corroboram com a idéia que não precisamos esperar mais uma década para beneficiarmos as pacientes que se apresentam com axilas negativas após a terapia neoadjuvante e evitarmutilação desnecessária.
No campo da oncoplastia, foi apresentado estudo sobre o impacto da radioterapia na reconstrução mamária com implantes ou tecidos autológos. Os resultados confirmaram aumento das complicações locais (Hematoma, infecção, etc),especialmente nos implantes, com falha da reconstrução de 11.4% comparado a 3.4% no tecido autólogo. Tal achado não chega a ser uma surpresa e não significa que devemos priorizar a reconstrução com tecido autológo nas mulheres que farão radioterapia, pois muitas mulheres não são candidatas ou desejam tal tipo de reconstrução e 90% das mulheres com implantes mantiveram suas reconstruções, com a maioria satisfeita com o seu resultado.
A marcação de lesões impalpáveis com semente radioativa também foi destaque. O grupo dinamarquês apresentou estudo com mais de 400 mulheres comparando marcação usando semente ou fio metálico e chegou a conclusão que não havia diferença na duração do procedimento, dor, complicações ou taxas de identificação do LS. Trata-se de boa notícia pois é mais uma opção ao fio metálico, podendo ser realizado na véspera da cirurgia e ser usado na “clipagem” de linfonodos.
Finalmente, o estudo com outro modelo de risco para carcinoma ductal in situ (CDIS) utilizando assinatura genética com as mesmas conclusões do estudo prévio utilizando oncotype (DCIS recurrence score), ou seja, pacientes com baixo risco teriam “aceitável” risco de recidiva quando a radioterapia (RT) é omitida: as taxas de recorrência local seriam de 10% em 10 anos neste grupo, comparado a 30% no grupo de alto risco sem RT. Apesar deste achado ser relevante, taxa de 10% em baixo risco são semelhantes as taxas de estudos prévios de mulheres com CDIS de baixo risco utilizando apenas parâmetros clinico-patológicos e que foram tratadas exclusivamente com cirurgia (ACRIN 5194 e RTOG 9804), deixando margem de dúvida do papel das assinaturas para esta função específica.