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Recentemente, o público recebeu informações sobre uso de terapia hormonal (TH) para pacientes que tiveram câncer de mama. Diante disso, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) resolveu se manifestar sobre estas publicações na rede social, dada a gravidade de estimular mulheres tratadas de câncer de mama a usarem hormônios para sintomas climatéricos.
O câncer de mama é uma contraindicação clássica ao uso de terapia hormonal do climatério/menopausa no conhecimento atual, por diferentes motivos. Primeiramente, já que se trata de tumor que predomina em mulheres e tem profunda participação dos esteroides sexuais femininos na sua fisiopatologia. Além disso, estudos clínicos bem estruturados que investigaram o uso de terapia hormonal em mulheres que sobreviveram ao câncer de mama, com o objetivo de determinar se a terapia hormonal estaria associada a um risco aumentado de recorrência ou desenvolvimento de novos cânceres de mama, evidenciaram aumento de risco de recorrência da neoplasia, consequentemente não autorizando essa prática. E é essa a evidência que, até hoje, profissionais de saúde se balizam para contraindicar o uso de hormônios.
O artigo utilizado nessa fala das redes sociais, foi uma revisão narrativa publicada em 2022, tipo de estudo que não baliza tomada de decisão. É importante entender que publicações científicas não são iguais entre si. Estudos com método científico mais estruturado possuem maior nível de evidência do que outros.
Neste sentido, revisões narrativas têm um baixo nível de evidência na hierarquia tradicional da medicina baseada em evidências (MBE), ficando abaixo de revisões sistemáticas, metanálises e ensaios clínicos randomizados. Isso ocorre porque não seguem um protocolo sistemático e transparente, a seleção dos estudos incluídos pode ser subjetiva e tendenciosa e podem refletir mais a opinião do autor do que uma análise abrangente da literatura. Na revisão narrativa, o autor escolhe quais estudos quer mencionar. Nas revisões sistemáticas, é necessário mencionar todos os estudos, mesmo que as conclusões sejam divergentes da opinião de quem faz a revisão. Por isto, revisões narrativas podem trazer maior número de vieses.
Veja que o paradigma que tem que ser quebrado é oferecer hormônios à mulher curada, em tempos de alta incidência dessa doença, e que estamos avançando no diagnóstico precoce e melhorando armas de tratamento que levam a uma maior sobrevida às mulheres. Para isto, precisaríamos de ensaio clínico randomizado sólido mostrando este benefício, o que é difícil, pois teríamos que oferecer hormônios a um braço da pesquisa à sobrevivente de câncer de mama, o que esbarra em aspectos éticos, posto que outros estudos neste sentido já foram realizados (HABITS, Stockholm, LIBERATE) e não endossam a segurança desta prescrição.
Somos totalmente favoráveis à melhoria de qualidade de vida das mulheres que tem câncer de mama, defendemos programas de survivorship que buscam este objetivo, mas não temos ainda segurança, baseada em evidência, para oferecer TH sistêmica a estas pacientes. Existem alternativas não-hormonais para tratamento dos sintomas vasomotores, que podem ser oferecidas com maior segurança.
Menopausal hormone therapy after breast cancer: the Stockholm randomized trial. von Schoultz E, Rutqvist LE. J Natl Cancer Inst . 2005 Apr 6;97(7):533-5.
Hormone replacement therapy after breast cancer: 10 year follow up of the Stockholm randomised trial. Fahlén M, Fornander T , Johansson H , Johansson U , Rutqvist L , Wilking N , von Schoultz E. European Journal of Cancer 49 (2013) 52–59.
HABITS (hormonal replacement therapy after breast cancer–is it safe?), a randomised comparison: trial stopped. Holmberg L, Anderson H, HABITS steering and data monitoring committees. Lancet. 2004 Feb 7;363(9407):453-5.
Increased risk of recurrence after hormone replacement therapy in breast cancer survivors. Holmberg L, Iversen O, Rudenstam CM. HABITS Study Group. J Natl Cancer Inst. 2008 Apr 2;100(7):475-82.
Safety and efficacy of tibolone in breast-cancer patients with vasomotor symptoms: a double-blind, randomised, non-inferiority trial. Kenemans P , Bundred N J, Foidart J. LIBERATE Study Group. Lancet Oncol. 2009 Feb;10(2):135-46.
Effects of tibolone on climacteric symptoms and quality of life in breast cancer patients–data from LIBERATE trial. Sismondi P, Kimmig R, Kubista E, et al. Maturitas. 2011 Dec;70(4):365-72.