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Estudo recém-publicado é uma importante contribuição científica sobre a ocorrência do tumor e se diferencia por apresentar uma forma de padronizar o estadiamento e o tratamento da doença
O Brasil registra o primeiro caso raro de carcinoma espinocelular associado ao implante mamário de silicone. De acordo com a literatura científica, as ocorrências ao redor do mundo são poucas, com pouco mais de 20 pacientes diagnosticadas. O estudo sobre o caso brasileiro, que resultou em publicação recente na Annals of Surgical Oncology (ASO), é coordenado pelo mastologista Idam de Oliveira Junior, sócio titular da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e coordenador do Departamento de Mastologia e Reconstrução Mamária do Hospital de Amor, em Barretos (SP). A investigação se diferencia também por apresentar uma forma de padronizar o estadiamento e o tratamento da doença.
Os procedimentos com implantes mamários de silicone vêm sendo amplamente realizados desde a década de 1960. “São seguros e eficazes tanto para fins estéticos, quanto para a reconstrução das mamas, com a utilização de materiais que evoluíram para oferecer pouco ou nenhum risco às pacientes”, diz o mastologista Idam de Oliveira Junior. “A cada ano, temos mais mulheres vivendo por longo tempo com próteses de silicone. Neste sentido, é importante que qualquer alteração apresentada nos implantes seja considerada e investigada”.
De acordo com o mastologista, vêm crescendo nos últimos anos as evidências da associação entre implantes de silicone e efeitos imunológicos e inflamatórios que poderiam desencadear neoplasias como o linfoma anaplásico de grandes células associado a implantes mamários (BIA-ALCL, na sigla em inglês) e a síndrome autoinflamatória induzida por adjuvantes (ASIA, na sigla em inglês).
O estudo “Carcinoma espinocelular primário associado ao implante mamário de silicone: uma proposta para melhor abordagem cirúrgica e estadiamento clínico com base nas características do tumor”, publicado pela ASO, revista científica oficial da Sociedade Americana de Cirurgia Oncológica e da Sociedade Americana de Cirurgiões de Mama, tem além de Idam de Oliveira Junior a participação dos pesquisadores Marina Ignácio Gonzaga, Chrissie Casella Amirati, Natachia Moreira Vilela, Durval Renato Wohnrath e René Aloisio da Costa Vieira.
O carcinoma espinocelular associado ao implante mamário de silicone (BIA-SCC, na sigla em inglês) foi descrito pela primeira vez na literatura médica em 1992. “Devido ao número limitado de ocorrências, os fatores de risco para o desenvolvimento deste tipo de tumor altamente agressivo, com prognóstico desfavorável, são desconhecidos”, observa Oliveira Junior. Conforme a publicação, o BIA-SCC parece estar relacionado a um processo crônico de irritação e inflamação da cápsula que envolve o implante mamário. Com o tempo, essa irritação pode levar a alterações celulares, como metaplasia e displasia escamosa, que eventualmente evoluem para carcinoma espinocelular. Fatores como o uso prolongado de implantes (geralmente por mais de 10 anos) e a presença de líquido ao redor do implante podem contribuir para o desenvolvimento do tumor.
O mastologista Idam de Oliveira Junior enfatiza que o caso brasileiro de carcinoma espinocelular associado a implante mamário não é motivo para alarde. Muito pelo contrário, ressalta, trata-se de uma situação muito rara, mas que requer atenção dos especialistas.
Recentemente, a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) lançou um alerta sobre a ocorrência de casos de carcinoma de células escamosas associado a implantes mamários (BIA-SCC).
No Brasil, o único caso descrito na literatura médica, que se junta a um número reduzido de ocorrências ao redor do mundo, foi avaliado por Oliveira Junior e sua equipe. Tratava-se de uma jovem que tinha implante de silicone, de longo prazo, com finalidade estética, com queixa de aumento acentuado no volume de uma das mamas associado a dor. Foi abordada inicialmente com troca de prótese e retirada da cápsula que a revestia, devido à presença de seroma (líquido ao redor da prótese) tardio. A cápsula apresentava sinais incomuns e foi encaminhada para a biópsia, que evidenciou a malignidade. Após esta etapa, a jovem foi submetida à retirada da prótese e mastectomia. “Mas devido à lesão avançada, houve recidiva de forma precoce e agressiva”, lembra Oliveira Junior. A partir do diagnóstico, a paciente brasileira teve uma sobrevida de 10 meses.
Com base na literatura científica sobre outros casos descritos, o especialista da SBM e sua equipe buscaram informações para entender o comportamento da doença. “A partir de estudos e de conceitos do estadiamento do linfoma associado à prótese de silicone, desenvolvemos um estadiamento para o carcinoma espinocelular, também com atenção ao implante mamário, correlacionando a sobrevida das pacientes”, diz.
Em casos avançados, a doença pode se espalhar para órgãos distantes como pulmões, fígado e mediastino, através da corrente sanguínea ou linfática. A disseminação local e regional é comum. O estadiamento avalia o grau de disseminação do câncer a partir de regras internacionalmente estabelecidas. O estadio de um tumor reflete não apenas a taxa de crescimento e a extensão da doença, mas também o tipo e a relação com a sobrevida.
Embora considere a raridade da ocorrência de carcinoma espinocelular associado a implante mamário, o mastologista reforça entre os especialistas a necessidade de exames completos e precisos, especialmente diante de seroma de início tardio. “Como demonstramos no estudo publicado na ASO, estamos diante de uma doença de comportamento agressivo. O diagnóstico precoce permite um tratamento mais eficiente com maior sobrevida para a paciente”, destaca.
Ele ressalta que o temor por alguma patologia relacionada aos implantes tem levado um grupo expressivo de mulheres a solicitar a retirada das próteses. “Não há espaço para que o medo influencie na decisão da paciente. Tudo precisa ser amplamente discutido e avaliado com respaldo científico”, conclui Idam Oliveira Junior.