Evolução do número de casos de câncer de mama exige ações coordenadas
Na audiência pública da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, em Brasília, Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) defende ampliação do acesso a diagnósticos e aprimoramento nos tratamentos no âmbito do SUS
Para cada ano do triênio 2023-2025, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima 73.610 novos casos de câncer de mama. De acordo com o Panorama do Câncer de Mama, painel interativo aberto a médicos, gestores e sociedade civil que reúne informações sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), em 2022 foram registrados mais de 19 mil óbitos por este tipo de neoplasma maligno, primeira causa de mortalidade entre as mulheres brasileiras. Entre os fatores aumentados de risco, especialistas destacam a mutação do gene BRCA. De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SMB), esta alteração genética representa até 80% de possibilidade de desenvolvimento de câncer de mama e de 40% para o de ovário. Os mastologistas também veem com atenção a tendência ao “rejuvenescimento” do câncer de mama no País. Estes e outros dados, que evidenciam a preocupação com a evolução da doença, foram apresentados no dia 23 de maio, na audiência pública da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).
Como membro da diretoria da SBM, a mastologista Rosemar Rahal participou da audiência pública para apresentar dados e sugestões no enfrentamento do câncer de mama no Brasil. Entre 2015 e 2022, período de abrangência do Panorama do Câncer de Mama, foram notificados 374.548 novos casos da doença, com os maiores números registrados no Sudeste (168.637), Nordeste (90.640) e Sul (76.834).
O Brasil dispõe de mais de 6 mil aparelhos de mamografia, número suficiente para atender a população-alvo. “No entanto, no SUS nunca passamos de 30% do rastreamento”, destaca a especialista. Como efeito da cobertura mamográfica inadequada, os casos de câncer de mama em estágio avançado são maiores na rede pública em comparação com a saúde suplementar, que inclui os planos de saúde.
Desde a biópsia até o primeiro tratamento, observam-se diferenças entre o SUS e a saúde suplementar. Em até 30 dias, os atendimentos representaram, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, 21,1% no SUS e 45,4% no sistema privado. Entre 30 e 60 dias, o SUS registra 34%; a saúde suplementar, 40%. Acima de 60 dias, foram 44,9% no SUS e 14,6% no sistema privado. Neste sentido, a SBM considera fundamental a aplicação da Lei nº 12.732 de 2012, que determina o início do tratamento no prazo máximo de dois meses.
“Rejuvenescimento”
Segundo o Panorama do Câncer de Mama, na faixa etária de 30 a 49 anos somaram-se 117.984 novos casos da doença, ou 30,5% do total apurado, que inclui também mulheres de 50 a 59 anos e de 60 a 69 anos. “Quando olhamos para esta estatística, constatamos que o ‘rejuvenescimento’ do câncer de mama já é uma realidade no Brasil”, afirma a especialista.
De acordo com Rosemar, é imperativo que o Ministério da Saúde reveja o início do rastreamento da doença e considere a idade mínima a partir de 40 anos, e não aos 50 anos. O Panorama do Câncer de Mama indica que mulheres de 40 a 49 anos tiveram diagnóstico tardio em 39,6% dos casos. A faixa etária considerada de risco (entre 50 e 69 anos) responde por 35,3%.
Testagem genética
Em boa parte das pacientes diagnosticadas com câncer de mama e ovário, a origem pode ser genética. Este grupo pode ser beneficiado com testagem para detecção de mutações patogênicas nos genes BRCA1 e BRCA2. “A partir deste teste, as mulheres poderiam se valer de exames mais precoces, quimioprevenção e cirurgias profiláticas”, afirma a mastologista.
Embora o Ministério da Saúde tenha adquirido equipamentos de última geração para sequenciamento genético, e este maquinário esteja disponível em laboratórios centrais dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, a testagem não está disponível no SUS em todo território nacional. Apenas Amazonas (Lei nº 5.404/2021), Goiás (Lei nº 20.707/2020), Minas Gerais (Lei nº 23.449/2019), Rio de Janeiro (Lei nº 7049/2015) e o Distrito Federal (Lei nº 6.733/2020) aprovaram leis que garantem o acesso à testagem genética por meio de seus serviços locais. Somente em Goiás o teste está disponível para toda a população desde fevereiro de 2023, por meio do programa Goiás Todo Rosa.
“Nossa proposta é para que exista a federalização da lei”, diz Rosemar Rahal. “Muitas vidas podem ser salvas se a população brasileira tiver acesso ao painel genético de BRCA1 e BRCA2”, completa.
Equiparação
O posicionamento da SBM também é para que haja a equiparação da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) nos métodos diagnósticos e tratamento dos procedimentos aprovados pela Anvisa.
Alguns exames já estão incluídos apenas no rol da ANS: painel genético germinativo, pet-ct oncológico, ressonância magnética de mamas, marcação tumoral pré-quimioterapia, uso de medicina nuclear (radiofármacos) em cirurgia (roll e ls) e biópsia percutânea assistida à vácuo (mamotomia).
Embora estejam incorporados pela Conitec, alguns medicamentos ainda não estão disponíveis no SUS. São eles: trastuzumabe entansina e abemaciclibe/ribociclibe/palbociclibe. A droga pertuzumabe está liberada apenas para doença metastática.
“O benefício da prevenção da doença pode impactar positivamente as famílias e a sociedade como um todo, com diminuição de custos de tratamento”, diz Rosemar Rahal. “A implantação de políticas eficientes, a ampliação do rastreamento, entre outras medidas, são fundamentais para evitar todo o sofrimento para as pacientes e seus familiares, advindo do diagnóstico e do tratamento de um câncer de mama”, conclui a mastologista da SBM.
Cafeína tem potencial para tratamento de câncer de mama agressivo
Estudo apresentado no 26º Congresso Brasileiro de Mastologia, evento organizado pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), comprova em laboratório a eficácia da substância para evitar a proliferação de células cancerígenas
Estudo premiado no 26º Congresso Brasileiro de Mastologia comprova a ação antitumoral da cafeína em células de um subtipo de câncer de mama mais agressivo, o triplo-negativo. Segundo o mastologista Marcelo Moreno, que apresentou o trabalho, os resultados obtidos a partir de investigações em laboratório representam uma boa notícia em meio às estratégias de enfrentamento da doença e “autorizam o prosseguimento da pesquisa em outros modelos metodológicos”.
Intitulado “Efeito antiproliferativo da cafeína sobre uma linhagem de câncer de mama triplo-negativo”, o trabalho foi realizado no Programa de Pós-graduação em Ciências Biomédicas da Universidade Federal da Fronteira Sul, no campus Chapecó (SC) e vinculado ao Programa Multicêntrico de Pós-Graduação em Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Apresentado na edição recente do Congresso Brasileiro de Mastologia, evento organizado pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e SBM Regional Rio Grande do Sul (SBM-RS), o estudo premiado comparou a ação da cafeína em diferentes concentrações em células de câncer de mama triplo-negativo (linhagens MDA-MD-231) e também em células saudáveis do parênquima mamário.
A classificação “triplo-negativo” define a ausência dos receptores de estrogênio, progesterona e HER2, responsáveis pelo controle do crescimento do tumor, das células mamárias e da divisão celular. Mais incidente em jovens, com menos de 40 anos, também é comum em mulheres que apresentam mutação dos genes hereditários BRCA1 e/ou BRCA2, responsáveis por proteger o corpo do aparecimento de tumores. Ao sofrerem mutação, a função destes genes diminui e as chances de desenvolvimento do câncer aumentam.
Já existe na literatura científica estudos que comprovam, in vitro, os efeitos antitumorais da cafeína. “Mas pesquisas com a metodologia que desenvolvemos e com os resultados que obtivemos ainda não tinham sido divulgadas”, destaca o mastologista.
Ao mesmo tempo em que se preocuparam em avaliar o efeito antiproliferativo da cafeína sobre uma linhagem de câncer de mama triplo-negativo, os pesquisadores, sob a coordenação de Marcelo Moreno, também investigaram o potencial tóxico da substância em células saudáveis.
No estudo in vitro, com materiais adquiridos no Banco de Células do Rio de Janeiro, a cafeína, nas concentrações de 1, 2 e 4 milimolares, “diminuiu a viabilidade das células de câncer de mama triplo-negativo”. Nas células saudáveis, a aplicação da cafeína não representou toxicidade. “Elas mantiveram o crescimento e a reprodução celular”, ressalta o pesquisador.
A aplicação da substância, comumente consumida no café, no cacau e no guaraná, entre outros alimentos, deve agora expandir seu raio de eficácia a partir de novos estudos. A perspectiva, segundo o mastologista Marcelo Moreno, é prosseguir com a pesquisa para que se comprove, também por meio de outros métodos, que a cafeína, ou moléculas similares, possa ser usada de forma combinada com as terapias existentes no tratamento desta forma agressiva de câncer de mama.